Cypherpunks
Esse Assange é foda.
Anarquia e criptografia: Julian Assange resgata movimento dos anos 80 em seu livro “Cypherpunks”
O dia era 18 de abril de 2012. Julian Assange, editor do controverso WikiLeaks, dava um novo passo em sua carreira de ativista: inaugurava um programa de TV chamado The World Tomorrow.
Parecia um movimento ambicioso. Afinal, ele sequer podia deixar a casa na qual está exilado. E, desde 2010, tinha que lidar com um bloqueio financeiro que dificultava o funcionamento do WikiLeaks. Visto com desconfiança tanto pela mídia quanto por outros ativistas, que chances Assange teria de ser levado a sério ao se unir com uma rede de comunicação russa para produzir um talk show?
Realmente, The World Tomorrow não foi um dos seus projetos mais impactantes. Durou apenas 12 episódios, todos disponíveis no YouTube. Cada um tinha cerca de 30 minutos, nos quais eram entrevistadas figuras como o antropólogo David Graeber (Ocuppy Wall Street), o escritor Noam Chomsky e até o “crítico cultural” pop Slavoj Žižek.
Obviamente, as conversas sempre giravam em torno das complexas conexões entre política, tecnologia e privacidade. Segundo as contas fornecidas pelo YouTube, os vídeos mais assistidos foram vistos cerca de 40 mil vezes. E a repercussão de mídia do programa foi morna. É que Assange deixara de ser novidade: era agora um representante de um nicho, não mais exatamente uma ameaça política.
O nascimento de um livro
Mas dois episódios do talk show chamaram atenção (confira abaixo). Assange juntou, numa mesma sala, três personalidades envolvidas com a atual encarnação de um movimento que começou nos anos 80, o Cypherpunk. O debate entre Andy Muller Maguhn (Chaos Computer Club), Jérémie Zimmerman (La Quadrature du Net) e Jacob Appelbaum (Tor Project) acabou virando um livro, que saiu no Brasil, pela Boitempo, Cypherpunks — Liberdade e Futuro da Internet.
Nele, Assange é taxativo: a internet se tornou uma ameaça à civilização humana. Consciente e inconscientemente, disponibilizamos on-line informações que podem ser utilizadas para criar estruturas de poder político jamais imaginadas, com níveis de controle social que fariam Big Brother parecer um amador.
Universo criptográfico
A única saída possível para essa situação seria a utilização da criptografia, uma tecnologia inicialmente utilizada por militares para evitar o vazamento de informações confidenciais, hoje disponível para qualquer computador (até mesmo em simples extensões para navegadores). Na introdução do livro, o tom proselitista de Assange beira o new age:
O universo acredita na encriptação.É mais fácil encriptar informação do que decriptá-la. (…)O universo, nosso universo físico, tem a propriedade que torna possível, para um indivíduo ou grupo de indivíduos, confiavelmente, automaticamente, mesmo sem se dar conta disso, cifrar uma determinada coisa, de modo que todos os recursos e todo esforço político dos maiores superpoderes na Terra talvez não conseguissem decifrá-la. E os caminhos dessa encriptação de mensagens entre as pessoas podem se entrelaçar para criar regiões livres de forças coercitivas. Livres da intervenção de massa. Livre do controle do Estado.(…) Encriptação é uma corporificação das leis da física e não presta atenção na gritaria dos Estados, nem nas distopias transnacionais das políticas de segurança.Não é óbvio que o mundo tivesse que funcionar desse jeito. Mas, de alguma forma, o universo sorri em criptografia.
Mas o resto do texto é uma discussão mais elaborada e prática sobre a necessidade da criptografia como arma política. Essa técnica seria um dos últimos recursos disponíveis de resistência não-violenta ao poder do Estado e das corporações.
Em especial, levando em conta que a internet funciona por meio de recursos físicos extremamente controlados, como satélites, cabos submarinos, além de servidores instalados em diversos países, com diferentes estruturas legislativas. Estruturas que possibilitam ações jurídicas tão polêmicas quanto querer colocar pessoas na cadeia por deixar de obedecer os termos de serviço ou impedir um advogado de acessar redes sociais porque ele criticou um promotor.
Os novos Cypherpunks
A parte mais interessante de Cypherpunks são os capítulos em que Assange e convidados analisam como o cenário político e tecnológico mudou desde os primórdios do movimento. Em 30 anos, o problema da circulação de informações e da privacidade é completamente outro: os primeiros cypherpunks, Eric Hughes, John Gilmore e Tim May (do The Crypto Anarchist Manifesto) eram geeks que viam outros geeks se comunicando via Usenet. Assange vive num momento em que até carros trazem computadores embutidos e conectados à internet:
As comunicações, no próprio núcleo das nossas vidas privadas, movem-se cada vez mais pela internet. Assim, de fato, nossas vidas privadas entraram numa zona militarizada. É como ter um soldado debaixo da cama. É a militarização da vida civil.
Cauda longa — de massas
Mas como é possível controlar militarmente a internet? Não é exatamente essa tecnologia que vem nos ajudando a enfraquecer a comunicação de massas? Não é tão simples. On-line, a cauda não é tão longa assim.
Embora cada vez mais pessoas produzam conteúdo e sobre assuntos cada vez mais diversos, ainda recorremos a ferramentas de massa, como Facebook, Google, Twitter e até mesmo o WordPress (que, até o fim de 2012, gerenciava cerca de 73 milhões de sites no mundo, 14,7% de todos os sites publicados na internet).
Mesmo tecnologias open-source amplamente disseminadas, como servidores Linux / banco de dados Apache e PHP, acabam, de certa forma, massificando a internet. Assim, o custo de construir sistemas privados ou governamentais de coleta, análise e manipulação de dados diminui consideravelmente.
E é claro que a infraestrutura de comunicação ainda depende de corporações completamente atreladas aos governos, como as operadoras de celular. Finalmente, ainda existem certos assuntos que sempre são facilmente invocados na hora de aprovar leis duvidosas. É o que Jacob Appelbaum chama de…
…Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse da Informação: pornografia infantil, terrorismo, lavagem de dinheiro e a Guerra Contra Algumas Drogas.
Conversa incompleta
Por esses e por centenas de outros motivos, Cypherpunks é um livro ambíguo. É acessível e instigante porque não é restrito apenas para geeks, administradores de sistemas ou cientistas sociais.
Porém, essa mesma escolha estilística tem seu lado negativo: como é praticamente uma transcrição dos diálogos mantidos durante o programa The World Tomorrow, não traz maiores desenvolvimentos ou apresentação sistemática de dados. Quer dizer, é como se cada parágrafo merecesse um livro a parte.
Cypherpunks é uma conversa aberta e incompleta. Portanto, uma ótima introdução ao complexo problema da comunicação on-line hoje em dia. A maior ferramenta de liberdade criada nos últimos tempos também pode ser a maior ameaça política que já enfrentamos.
Julian Assange, Andy Muller Maguhn, Jeremie Zimmerman e Jacob Appelbaum.
Editora Boitempo
168 páginas R$ 29,00 (impresso), R$ 15 (eBook, em vários formatos)
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