|Radio Pvhcaos

Livro reúne ensaios sobre história social do humor

Jornal da USP

Livro reúne ensaios sobre história social do humor


Em nova obra, o professor Elias Thomé Saliba, da USP, analisa diferentes aspectos do riso ao longo da história
Por  - Editorias: Cultura

Imagens da revista Krokodil, que circulou na antiga União Soviética de 1922 a 1991 e é tema de um dos ensaios publicados no novo livro do professor Elias Thomé Saliba – Fotos: Reprodução



Cativar, ironizar, satirizar, criticar, zombar, desmoralizar – ou simplesmente matar o tédio. O humor é considerado um setor secundário em relação à história cultural, mas agora ganha status de protagonista no livro do historiador e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Elias Thomé Saliba, que acaba de ser lançado: Crocodilos, Satíricos e Humoristas Involuntários – Ensaios de História Cultural do Humor.
Na obra, o autor reúne ensaios inéditos que convidam o leitor para uma divertida “aula culinária” – como ele mesmo compara, dizendo que é muito mais fácil fornecer a receita do que fazer o bolo –, numa cozinha ainda experimental sobre estudos humorísticos. “Sem a pretensão – por si mesma, risível – de fornecer uma resposta completa que seria viável apenas depois de um balanço provisório das inúmeras pesquisas neste campo, diríamos que a história cultural do humor seguiu aquele mesmo receituário da sua irmã maior: uma subjetividade epistemológica combinada e controlada com uma rigorosa objetividade metodológica”, afirma Saliba na introdução do livro.
O volume é uma publicação da Editora Intermeios e integra a Coleção Entr(H)istória, responsável por publicar títulos de professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da FFLCH (leia mais aqui).

E você chama isto de vida?

Segundo Saliba, “são pequenos estudos humorísticos que, embora  fortemente calcados em pesquisas realizadas há vários anos, apresentam-se mais como interrogações – também explícitas nos títulos interrogativos dos capítulos – que buscam, mais do que definir algumas fronteiras para uma história cultural do humor, encarar de frente o desafio do intérprete em lidar com fontes bastante diversas e fragmentadas”.
“E você chama isto de vida? O riso do Krokodil e as dimensões controversas do humor soviético” é título do primeiro ensaio, que aborda a revista Krokodil. Como conta Saliba, ao contrário do que se pensa, o nome não vinha do famoso conto satírico, inconcluso, de Dostoiévski, mas de uma historieta infantil russa. Há ainda outra versão, dada por um dos primeiros cartunistas da revista, que dizia que o crocodilo revelava a natureza intransigente da sátira soviética e serviria “para devorar tudo aquilo que impeça o nosso movimento em direção do comunismo”.
Artigos publicados em A Banana, que se autointitulava “semanário amorístico de notícias falsas e ideias incoerentes” – Foto: Reprodução
Com humor semioficial, a publicação circulou na União Soviética desde 1922, congregando muitos humoristas e artistas russos, por um longo período que vai até 1991, mas com muitas interrupções. E agora só é analisada, “porque nas últimas duas décadas houve uma (lenta) liberação dos arquivos soviéticos e um (mais lento ainda) acesso dos pesquisadores a essa enorme documentação”, explica Saliba.
O segundo ensaio, “Por que ninguém quer ser humorista? Sérgio Buarque dos Países Baixos e o corredor de humor no modernismo brasileiro”, traz duas crônicas assinadas com o pseudônimo de Sérgio Buarque dos Países Baixos. Elas foram publicadas em 1923, no semanário carioca A Banana. A primeira, intitulada Desilusão, narra as aventuras jocosas de um amante enganado e Alerta, banqueiros!faz troça das manias especulativas de um investidor financista, ironicamente chamado Klaxon – referência a uma das primeiras revistas modernistas brasileiras.
“As crônicas foram descobertas por acaso, em meados do ano de 1997, quando realizávamos pesquisas que originaram o livro Raízes do Riso, resultando, naquela ocasião, apenas numa pequenina nota de rodapé”, informa Saliba. Quase duas décadas depois – após acumular dados e inúmeras anotações sobre a história do Modernismo brasileiro e, sobretudo, dos seus bastidores – o ensaio foi concluído. “A partir de provocações de Walter Benjamin e Marcel Duchamp, procura trazer à luz registros pouco conhecidos ou renegados que possam exemplificar a abertura de um pequeno, mas significativo ‘corredor de humor’ no interior do Modernismo brasileiro”.

Brasil: um país de humoristas involuntários?

“Envolvidos na vida, nós a vemos mal? A sátira humorística nas crônicas de Lima Barreto (1907-1922)” é resultado de uma leitura muito pessoal das crônicas, até então inéditas, de Lima Barreto, recentemente organizadas e publicadas por Felipe Botelho Corrêa. “Claro que na receita deste ensaio – cujo título foi inspirado numa famosa carta de Gustave Flaubert -, apesar de bem recente, servimo-nos de ingredientes bastante antigos”, escreve o pesquisador. Um deles são as inúmeras conversas, entre 1985 e 1986, com o biógrafo e organizador das obras de Lima Barreto, Francisco de Assis Barbosa.
O livro do professor da USP Elias Thomé Saliba – Foto: Reprodução
“A troça é a maior arma de que nós podemos dispor e sempre que a pudermos empregar é bom e é útil”, escreveu o próprio Lima Barreto em 1919, completando: “Nada de violências, nem barbaridades. Troça e simplesmente troça, para que tudo caia no ridículo. O ridículo mata e mata sem sangue. É o que aconselho aos revolucionários de todo jaez. Assim é que todos devemos fazer. Troças, troças e mais troças”.
O último ensaio do livro de Saliba, “Brasil: um país de humoristas involuntários” – forçando um pouco o tom da metáfora culinária, lembra mais uma sopa saborosa do que um prato consistente, diz Saliba – é “inspirado numa boutade fornecida por um notável antologista português  humoristas involuntários”.
Nele, “retomamos uma das teses principais de nossas publicações anteriores, sobretudo o já mencionado Raízes do Riso, sondando novas fontes, amealhando fragmentos inusitados, hauridos em registros obscuros, e ousando mesmo arriscar-se na tarefa mais difícil para o historiador, que é se aproximar dos dias atuais”, conclui o autor.


Comentários

Postagens mais visitadas